À noite, quando lia, Hans pensava nas vagas ciências ancestrais. Os livros tinham palavras tortas, teorias insuficientes. Mal cabia algo na cabeça. Olhava as paredes cheias de quadros, desenhos e frases filosóficas. Não sentia mais nada a não ser a pintura do corpo de Lívia cada vez menos real, cada vez mais vivo, cada vez mais sombrio. Os olhos de Hans fechavam. Se entregava à inconsciência, interrompida pelo som de alguém na porta.
Imaginava Lívia à meia-noite com vinho e intenções amorosas. Ou talvez, queria companhia amigável, falar de assuntos que interessavam a ambos. Hans não sabia. Checava as aberturas da casa e só ouvia vento. Frio, o vento e nada mais. Grave, o rugido do vento causava-lhe angústia, lembrava Lívia. A teria alguma vez mais? Quando agudinho, o vento ensurdecia-o. Batiam e batiam à janela, Hans já engolia seco. Abriu a vidraça, entrou um corvo. Sobre Hans, olhares fatais. Sobre o corvo, curiosidade. Pousou na janela do quarto em que voara. Hans buscava significado da ave preta à noite das amarguras amorosas. Perguntou o nome.
-Nunca mais. – dizia o corvo.
Vozes usuais, o que sabia dizer e haviam ensinado, pensava Hans. Únicas duas palavras.
-Que queria comigo? – dizia.
“Nunca mais”, ouvia.
Ambos os seres, fracos e mortais, almas entristecidas. Demônio, diabo, trazido pela tempestade. Cor do luto, abandono, sentia Hans. Lívia voltaria? “Nunca mais”, agonia.
Ofegava. O ar, pesado, insuficiente. Tentava apagar a pintura da parede. Água, outras cores em cima, socos. Nada tirava a sede, nada apagava.
- Vá, vá embora! – dizia Hans ao corvo e à pintura.
“Nunca mais”.
Thaís Nascimento.